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Ainda no século XXI, tantos anos após a abolição da escravidão, é possível encontrar diversas exemplos de racismo no dia a dia. Diante do cenário tão crítico e que clama por urgência em ser largamente discutido, a VAGAS promoveu uma roda de conversa sobre racismo estrutural e suas consequências. Nela, dezenas de colaboradores puderam compartilhar vivências, depoimentos e testemunhos.
O encontro permitiu trocar ideias e repensar atitudes cotidianas – afinal, não basta não ser racista: é preciso ser antirracista, como disse Angela Davis, professora e filósofa negra.
Para conferir os principais pontos do debate e ficar por dentro da discussão, que é tão necessária, continue lendo o artigo.
O que é racismo estrutural?
Segundo Morena Mariah, produtora de comunicação e conteúdo no Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), o racismo está presente em todas as relações do cotidiano, inclusive nas de poder. O Brasil foi o último país, em 1888, a abolir a escravidão. Por carregar tal herança de práticas escravocratas, o racismo estrutural se formou no país.
Segundo a youtuber Preta Araújo, racismo é “uma forma de discriminação que tem a raça como alvo e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes”. Já quando se fala em racismo estrutural, o que se tem são essas práticas inseridas nos hábitos, nas práticas e nas falas do dia a dia e que estruturam o modus operandi da sociedade, culminando segregação racial.
O racismo estrutural se liga diretamente à história e à cultura escravocrata que perdurou por muito tempo no Brasil, formando a estrutura que temos hoje na sociedade: ainda de acordo com as informações trazidas pelo vídeo de Preta Araújo, os recém-abolidos da escravidão não tinham fonte de renda nem onde morar. Por isso, habitavam os lugares que as pessoas não queria morar, formando as favelas. Do mesmo modo, não tinham acesso a estudos ou eram amparados por leis que lhes dessem melhores condições de vida.
“Racismo estrutural é uma forma de discriminação que tem a raça como alvo e se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes”
Nota-se, portanto, que o racismo estrutural é um conjunto de práticas racistas e com origem histórica que estão embutidas no cotidiano e que se manifestam de diversas formas. Por isso, é preciso estar sempre atento para combatê-lo diariamente.
Racismo estrutural tem raízes na história
Para pensar o racismo estrutural, é preciso rever os acontecimentos históricos que fizeram com que o preconceito se enraizasse no cotidiano brasileiro e no desenvolvimento da sociedade.
Como traz Maria Sylvia de Oliveira, advogada e presidente de Geledés – Instituto da Mulher Negra, quando o Estado percebe que a escravidão caminha para o fim, medidas legais são tomadas para marginalizar mulheres e homens negras e negros. O exemplo que Maria Sylvia traz é do Ato Imperial de 1824: uma lei proibia negras e negros de ter acesso à educação formal.
A advogada ainda ressalta que estudos “científicos” divulgados na época afirmavam que pessoas negras eram inferiores, como justificativa e embasamento para sua escravização. Em 1850, o ato é editado e, dessa vez, impede negros de comprar terras.
Diante de tais informações, é possível entender um pouco melhor a relação histórica que está emaranhada no racismo estrutural: desde muito tempo pessoas negras são marginalizadas e excluídas
Por isso, ainda hoje, já que vivemos esse racismo estrutural há décadas, temos índices de escolaridade, empregabilidade e até mesmo cargos altos dentro das empresas tão distintos entre negros e brancos: pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que apenas 29,9% de cargos gerenciais são ocupados por negros ou pardos.
Rastros históricos do racismo estrutural brasileiro
Já que a questão é histórica e extremamente forte a ponto de persistir na atualidade, é essencial que todos tenhamos consciência de quais são os rastros que ainda perduram para que possamos combatê-los.
Abaixo, você encontra alguns dos principais pontos que foram levantados na roda de conversa sobre racismo estrutural na VAGAS, considerados relevantes pela nossa comunidade.
Privilégio branco
É preciso ter em mente que o simples fato de ser branco em uma sociedade que ainda tem muitos vieses racistas é, sim, um privilégio. A questão é: o que fazer com esses privilégios ou como utilizá-los de forma enérgica no combate ao racismo no dia a dia?
Em dado momento da roda de conversa, os colaboradores da VAGAS puderam dar depoimentos sobre situações de racismo que já viveram ou presenciaram. Houve relatos de pessoas negras que foram abordadas por policiais na rua sem motivo algum e de pessoas que não são negras e que presenciaram amigos ou desconhecidos negros sofrendo abusos policiais.
Isso também tem relação com a história: ainda de acordo com Maria Sylvia de Oliveira, depois da abolição da escravidão, a maior parte da população de ex-escravos não tinha acesso à moradia, aos estudos ou ao mínimo de condições para sobreviver.
“Apenas 29,9% de cargos gerenciais são ocupados por negros ou pardos”
A partir de 1890, surgem algumas leis penais já no sistema de república e uma delas é a lei da vadiagem: se um negro desempregado fosse encontrado andando pela rua, ele era preso por vadiagem.
Ora, como os recém-abolidos poderiam trabalhar se uma parcela da população europeia imigrava para o Brasil para servir de mão de obra e ainda ganhavam terras e dinheiro para tal enquanto os negros continuavam marginalizados, sem acesso ao estudo e desempregados?
Trazendo para a realidade de hoje, por que temos como normal que uma pessoa negra seja abordada na rua para uma revista policial? Por que isso não acontece na mesma proporção com pessoas brancas?
Nota-se, então, que desde muito tempo os privilégios brancos existem na sociedade brasileira e que sua manutenção é opressora. Por isso, é preciso que os brancos também sejam ativos nessa causa, repensando seu lugar, seus privilégios e como a história normalizou a estrutura racista que perdura até hoje.
Falta de conteúdo educativo nas escolas
Outro ponto levantado na roda de conversa foi a falta de conteúdos no currículo escolar que faça com que as crianças tenham acesso também à história do ponto de vista das pessoas negras – e não apenas do colonizador europeu e branco, como acontece na maior parte das vezes. Isso geraria, desde cedo, a normalização da presença do negro na história, na sociedade e no dia a dia.
Isso quer dizer que, apesar de a população brasileira ser majoritariamente negra, ainda há o estigma de que o normal é ser branco e isso acontece também por uma reprodução sem reflexão da história por uma só perspectiva.
Então, o questionamento que fica é: por que, depois de tantos acontecimentos decorridos do racismo, o conteúdo da História como matéria escolar parece continuar sendo apenas reproduzido, e não repensado, reestruturado e discutido?
Discussão sobre racismo dentro de casa
Outra informação muito interessante levantada na conversa foi a diferença da educação em casa entre as gerações. Se os pais de alguns dos colaboradores da VAGAS não tinham a consciência de que discutir o racismo dentro de casa também faz parte da construção da educação, aqueles que são pais hoje veem muito valor na discussão com os filhos.
De uma geração para outra, as pessoas tiveram mais acesso a informações e a acontecimentos, tiveram mais material para refletir sobre práticas racistas e hoje têm a oportunidade e o dever de educar os filhos para serem pessoas antirracistas.
Se na escola ainda há essa lacuna, dentro da casa de cada um a questão parece já ter tomado rumos mais produtivos.
Representatividade política
Dentro das ações cotidianas que todos temos como cidadãos, uma delas é a cobrança ativa de medidas por parte do poder público para que a vida em sociedade seja cada vez mais digna e igualitária.
No bate-papo, uma questão levantada foi a falta de representantes negros nas instâncias de poder e das medidas de melhorias para essa parcela da população.
Segundo pesquisa IBGE, apenas 24,4% dos deputados federais eleitos em 2018 são negros ou pardos.
Se não há representatividade negra expressiva no poder que poderia trazer com força os interesses à discussão e se os representantes que são a maioria não praticam a escuta atenta a tais problemas, o cenário de políticas públicas para a população negra fica mais complexo.
Portanto, como levantado na roda de conversa da VAGAS, é possível notar que o racismo existe também como uma relação histórica de poder: há lugares que estão historicamente ligados aos brancos e outros, aos negros.
Somente o ativismo antirracista de todas as pessoas – inclusive das pessoas que não são negras e que devem ser ativas na causa, tendo a consciência de sua atividade e de seu papel – poderá mudar esse jogo que é tão perverso: se a população é majoritariamente negra, por que a maioria dos deputados federais é branca?
Expressões racistas no dia a dia
Um dos materiais passados para os colaboradores da VAGAS antes do bate-papo foi uma série de expressões largamente utilizadas no cotidiano e que são racistas – apesar de normalizadas.
Vamos a algumas delas logo abaixo:
Denegrir
Segundo o dicionário, essa palavra pode ser utilizada em sua forma figurativa significando “diminuir a pureza; o valor de; manchar(-se)”. Ao mesmo tempo, em seu sentido literal, denegrir quer dizer “tornar negro”, sem valoração embutida.
Então, por que o vocábulo é utilizado no sentido pejorativo? Você já se perguntou por que o negro está intrinsecamente associado, nessa palavra, a algo ruim? Ou porque a palavra “esclarecer” está ligada a algo bom, que traz à luz?
Portanto, para desfazer tal ligação, que muitas vezes passa somente pelo nosso inconsciente, é preciso trazer as questões à discussão e pensar no porquê “denegrir” carrega uma conotação negativa.
Feito nas coxas
O canal Papo de Preta publicou um vídeo explicando o motivo dessa expressão ter cunho racista e é a explicação que trazemos aqui: no tempo da escravidão, quando faziam telhas, os escravos colocavam o barro nas coxas para dar o formato.
Como cada um tem um corpo diferente, cada telha saia de um jeito. Por isso, pela falta de padrão, esse trabalho era apontado como mal-feito.
Ainda hoje a expressão “feito nas coxas” é largamente utilizada para dizer que algo foi feito às pressas, sem a devida atenção e que seu resultado é insatisfatório. Portanto, a expressão tem forte raiz histórica, escravocrata, racista e mais uma vez associa o negro a algo negativo.
Por isso o racismo é estrutural: ele está tão emaranhado no cotidiano – e há tanto tempo – que por vezes atitudes e falas racistas passam despercebidas. Mais uma vez: está justamente aí a necessidade do debate e de ações antirracistas, como a eliminação dessa expressão do vocabulário.
Cabelo ruim
Esta expressão é a mais explícita da lista: geralmente, quando alguém diz “cabelo ruim”, associa o “ruim” ao cabelo crespo.
A questão é qual a motivação dessa valoração: por que o cabelo crespo é ruim, o que o faz ruim e o que faz outro cabelo ser bom? Se você fizer uma rápida pesquisa no Google Imagens, verá que os resultados para “cabelo ruim” são imagens de pessoas com cabelo crespo.
Portanto, agora que você tem insumos para repensar a expressão, que tal bani-la do seu vocabulário? Existem diversos tipo de cabelo: crespo, enrolado, longo, curto. Nenhum deles é bom ou ruim.
Percebe-se, após a breve análise de algumas expressões, como o racismo está, de fato, na estrutura da sociedade e da vida cotidiana. Por isso, é imprescindível pensar em ações aplicáveis em nosso dia a dia para combatê-lo.
Como combater o racismo no dia a dia?
Ao fim do papo, foram trazidas algumas ideias do que podemos fazer para sermos antirracistas. Um dos pontos é que se continuarmos achando que algumas dessas práticas embutidas na rotina são normais e continuarmos propagando-as, o racismo estrutural nunca cessará.
Isto é, enquanto não houver mais debates e mais conversas que tragam a consciência de que o uso de certas expressões é um ato racista, que a abordagem policial sem motivos a negros tem cunho racista ou que o fato de não termos muitos médicos, advogados ou representantes de altos cargos que sejam negros em uma sociedade majoritariamente negra tem a ver com uma herança histórica, o racismo estrutural persistirá.
Diante disso, algumas das coisas que podemos fazer é:
- Repensar nosso vocabulário e excluir expressões racistas;
- Depois do conhecimento adquirido, difundi-lo entre seus amigos e familiares, chamando a atenção deles para tais falas e comportamentos que devem ser repensados;
- Procurar brinquedos inclusivos para as crianças com as quais convivemos;
- Questionar as escolas de filhos, sobrinhos ou netos sobre o conteúdo e as discussões em sala de aula;
- Fazer intervenções diretas quando presenciar um ato de racismo;
- Organizar discussões na sua empresa, na escola do seu filho, na sua vizinhança ou entre seus amigos, trazendo vozes negras, para falar sobre o racismo e promover maior conscientização nas pessoas para que elas também sejam divulgadores e atuantes em atos antirracistas.
São atitudes que cabem em nosso dia a dia e que têm o poder de mudar o modo de pensar de muita gente.
Todos nós somos produto de uma sociedade racista e com heranças escravocratas, cada um com seu papel na luta e com seus privilégios. Enquanto os membros dessa sociedade não se unirem para questionar e lutar contra o racismo estrutural, ele existirá.
Faça a sua parte nessa luta diária para que, a cada dia, tenhamos mais consciência de nosso papel.
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